O Fórum pela Gestão Democrática das Instituições Comunitárias de Educação Superior (Ices) realizou no sábado, 10 de abril, a sua 12ª reunião plenária para debater a situação das universidades e centros universitários que compõem o segmento no estado no âmbito da crise econômica e educacional.
Participaram do encontro virtual representantes de instituições de ensino, de associação de professores e diretórios de estudantes, bem como dirigentes do Sinpro/RS e dos demais sindicatos de professores e de funcionários técnico-administrativos do setor privado, além de lideranças do movimento estudantil.
O encontro fez avaliações sobre educação em uma conjuntura marcada pelo agravamento da crise econômica com a pandemia, presença de grandes grupos de ensino privado, o distanciamento das Ices do seu papel de fomento ao desenvolvimento das regiões onde atuam, relações de trabalho, negociações coletivas e a perspectiva de futuro das instituições comunitárias.
Negociações coletivas
A programação, que se estendeu das 9h às 13h, abriu espaço para os relatos de professores e estudantes e para o debate sobre a conduta a relação das administrações das Ices com os segmentos das comunidades internas, bem como as negociações coletivas com as representações sindicais.
O segmento comunitário congrega 15 universidades e centros universitários no Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung). Em 2016 foi criado o Sindicato das Mantenedoras das Instituições Comunitárias de Ensino Superior (Sindiman), reconhecido pelo Ministério da Economia, em 2020.
A recente apresentação da pauta de reivindicações do sindicato patronal das comunitárias aos professores no processo de negociação anual foi destacada como uma iniciativa paradoxal, já que, historicamente são os trabalhadores que apresentam a pauta de reivindicações e as negociações se dão em cima dessas reivindicações, destacou Marcos Fuhr, diretor do Sinpro/RS, e coordenador da Plenária.
“As comunitárias estão invertendo essa lógica. Apresentaram uma pauta que anula quase todas as conquistas, os direitos trabalhistas dos professores nessas instituições, claramente com o intuito de descarregar sobre os seus empregados o custo da sobrevivência institucional”, criticou.
A Plenária aprovou Manifesto de Repúdio às pretensões do Sindiman expressas na pauta apresentada aos sindicatos de trabalhadores.
Gestão democrática
O Fórum das Ices foi criado em 2011 e se constitui no principal espaço de discussão dos segmentos profissionais e estudantis do ensino privado gaúcho na perspectiva de uma ação conjunta com vistas ao reconhecimento e consideração do interesse das comunidades internas na definição das ações institucionais, explicou Fuhr.
“Estamos retomando as plenárias do Fórum com a intenção de manter maior regularidade desse encontro de professores, pessoal técnico administrativo e estudantes”, anunciou.
O painel de abertura propôs o debate O desafio da manutenção do diferencial comunitário na atual conjuntura brasileira e teve como painelistas os professores Evaldo Antonio Kuiava, presidente do Comung, docente e Reitor da UCS; João Pedro Schmidt, docente da Unisc e protagonista na criação do Marco Regulatório das Comunitárias; e de Gabriel Grabowski, docente da Feevale, membro da diretoria da Associação de Escolas Superiores de Formação de Profissionais do Ensino (Aesufope-RS) e do Conselho Regional de Desenvolvimento do Vale do Sinos (Consinos).
Comoditização do ensino
Primeiro a se manifestar, o reitor da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e presidente do Comung, Evaldo Kuiava, afirmou que a conjuntura do ensino superior está passando por uma crescente mercantilização da educação, expansão do ensino a distância dominado por grandes grupos.
Um cenário que exclui as comunitárias e exige transformações ao segmento. “Percebemos uma comoditização no ensino superior, com as instituições atuando na Bolsa de Valores como se vendessem soja ou minério e isso é muito sério quando se trata de educação”, alertou.
Para ele, o diferencial comunitário passa a não ser mais percebido nessa conjuntura. “O momento é oportuno para refletir sobre as questões paradigmáticas que se refletem em sala de aula e nas relações de trabalho”, apontou.
Evaldo destacou que o Rio Grande do Sul foi o último estado a apostar na expansão da EaD e, em 2019, já teve mais ingressantes nessa modalidade de ensino em comparação com o ensino presencial.
“As Ices não têm condições de trabalhar em larga escala com ensino a distância como faz o mercado, nós trabalhamos com a excelência”, contrapôs, citando que as comunitárias enfrentam uma série de dificuldades em relação ao ensino remoto e correm o risco de desaparecerem ou serem incorporadas.
“Há grupos educacionais ingressantes com processos formativos rápidos e em escala que vão afetar o nosso segmento, a perspectiva de problemas está apenas começando. A tendência é de os grandes grupos reduzirem os polos e criarem polos multimarcas de EaD. Vamos ter que fazer readequações para sobreviver e não teremos alternativa a não ser buscar novos paradigmas”.
Enumerou a necessidade de inovações em todas as áreas das Ices, das relações de trabalho aos processos de gestão e necessidade de novas alternativas de sustentabilidade, já que atualmente 90% da receita das Ices vêm das mensalidades.
Terceiro setor
Para João Pedro Schmidt, professor da Unisc e doutor em Ciência Política, as chances de permanência das Ices no cenário educacional diminuem se elas “jogarem o jogo do mercado”. Ele assinalou que as instituições desse segmento nasceram com a proposta de desempenhar um diferencial no desenvolvimento comunitário, “mas não podemos esquecer que foram criadas por forças bem tradicionais das regiões”.
Um dos protagonistas do Marco Legal das Comunitárias, Schmidt situa o segmento no terceiro setor, lembrando que a educação pública pode ser prestada pelo Estado ou pelas comunidades. “Não sendo Mercado nem Estado, o que nós somos? O Terceiro Setor é uma trincheira. Os governos não atendem a todas as demandas dos serviços públicos, mas a sociedade não precisa ter todos os serviços na mão do mercado”, apontou.
Sistema de ensino
Para o professor e pesquisador da Feevale, Gabriel Grabowski, a educação pós-pandemia “não será baseada no ensino remoto ou virtual, mas em um novo equilíbrio entre o presencial e a mediação tecnológica”. Classificou as Ices como “patrimônio educacional e cultural da sociedade gaúcha, pela contribuição a inclusão de jovens no ensino superior, pela interiorização da oferta e pela contribuição com o desenvolvimento regional e comunitário”. Destacou, também, que os Coredes sobrevivem graças às comunitárias que os apoiam visto que “os governos estaduais não garantem as condições e preferem os sufocar”.
O painelista lembrou que o direito à educação é negado a 50 milhões de jovens “que precisamos incluir na nossa luta política, essa deve ser uma das nossas bandeiras, esse direito já está impactado”.
O número de matrículas no ensino médio “é ridículo, vem decrescendo há 10 anos, está em 7,5 milhões e vai reduzir mais ainda com o impacto da pandemia”, alertou. O Pnad da educação de 2019 aponta que apenas 59% dos jovens de 15 a 17 anos concluem o ensino médio dentro da sua faixa etária e 82% desses estudantes não acessam o ensino superior.
Alertou que as Ices não podem se restringir a disputar apenas os 18% dos estudantes já matriculados no ensino superior, necessitando ampliar o acesso dos demais dos jovens que não estão conseguindo chegar à universidade por falta de políticas públicas de financiamento estudantil e porque não conseguem pagar mensalidades. A reforma do novo ensino médio, através do itinerário técnico profissional, “busca reter os jovens no ensino médio” com qualificações profissionais, apontou.
O pesquisador acredita que as instituições comunitárias devem definir melhor sua identidade e missão, criar um sistema de ensino próprio, com projetos, currículos e programas articulados e promover uma cultura comunitária e não de mercado. Para ele, o segmento deve apostar em gestões mais participativas, democráticas, voltadas à integração com as comunidades e as políticas públicas. Propôs ainda a formulação de estratégias alternativas de financiamento estudantil, com novas fontes e linhas de créditos como já é praticado em experiências internacionais.
Grabowski concluiu que o segmento comunitário deve assumir posições políticas, mas firmes na defesa da educação e do financiamento estudantil para esses milhões de jovens que não conseguem ingressar no ensino superior. “A gente vai precisar quebrar alguns ovos”, comparou.